quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Realidade pelo avesso: William Bonner e a democratização da mídia
O apresentar do Jornal Nacional da Globo, William Bonner, falou barbaridades em conferência na Universidade de Brasília. Indagado sobre a necessidade de democratização das comunicações no Brasil, indagou, na cara de pau, "Que democratização?"
Por César Fonseca*, no Observatório da Imprensa
Já existem seis empresas que disputam o mercado, acrescentou. Seria o bastante, na sua opinião, para configurar a democratização. Seis redes de TV, seis partidos políticos. Está bom demais. Freud tinha razão. As palavras servem para esconder o pensamento.
Estão os representantes da grande mídia e seus funcionários de elite tentando ler a realidade latino-americana, nesse momento, pelo avesso. Bombardearam os noticiários e os editoriais, nas últimas semanas, contra o projeto de lei, aprovado no Congresso argentino, sobre a limitação da concessão para os grupos privados oligopolizados. Está sendo um Deus nos acuda a reação do pessoal.
Depois de vários meses, quase um ano, de debate, em todos os segmentos da sociedade portenha, a lei ganhou perfil altamente democrático. Quem lê e vê a grande mídia ficou sabendo que os Kirchners, peronistas ditatoriais, armaram uma legislação na calada da noite para calar o Clarín, repeteco do pensamento do poder midiático brasileiro e sul-americano, historicamente aliado às elites que resistem à modernização política na América Latina.
Tremenda ditadura predomina na Argentina. O Congresso, sob pressão irresistível da Casa Rosada, rendeu-se aos ditadores eleitos pelo povo. Tenta-se vender a mentira. O professor Venício de Lima, da Universidade de Brasília, um dos maiores especialistas em mídia sul-americana, esteve na Argentina e declarou no VerTevê, comandado pelo repórter Lalo Leal, que nunca viu tanta democracia em sua vida por ocasião dos debates sobre o destino da comunicação na terra dos hermanos.
Lucro contrasta com o coletivo
O unilateralismo midiático privatizou o Ministério das Comunicações durante a Nova República. Aos amigos foi dado tudo e mais alguma coisa. Os movimentos sociais, no entanto, seguiram organizados para fazer valer o texto constitucional, favorável à democratização. Os ditadores cercaram os democratas. Avançam em toda a América do Sul e, agora, na América do Norte.
Trata-se de por os pingos nos is. Não é a ditadura que está avançando, mas a democracia. Assim como nasceu o conceito de propriedade como inversão da exclusão da propriedade na formação do capitalismo inglês, a partir do século 16, com a destruição da propriedade dos agricultores para inaugurar a propriedade do capital e a transformação do trabalhador em assalariado, do mesmo modo ergueu-se o conceito de democracia midiática, ancorado no preceito ideológico da igualdade jurídica que corresponde, dialeticamente, à desigualdade social.
A tese da democracia das sete irmãs levantou à antítese da proposta de democratização geral, com mudança nos critérios públicos, para distribuição da informação a toda a sociedade. O neoliberalismo radical criou o partido do pensamento único, segundo o qual a verdade está na liberdade do capital, inaugurada pela economia política de Adam Smith, da mão invisível do mercado.
Smith baseou sua descoberta na Fábula das Abelhas, de Mandeville, em 1714. Observando o comportamento das abelhas, destacou que cada uma trabalha para si, por interesse próprio, para realizar uma obra coletiva. Os interesses particulares, seguiu na mesma trilha Adam Smith, seriam os motivos para cada um exercitar seu potencial, gerando um todo coletivo.
Esqueceu de destacar que entre as abelhas o critério do interesse particular não é o lucro, mas a distribuição comum do produto, enquanto entre os humanos racionais, o lucro, como expressão do interesse próprio, é essencial, e ao ser eleito prioridade contrasta com o coletivo.
O espaço midiático
A leitura é inversa. Marx destacou que a busca do lucro, na coletividade das abelhas humanas racionais, cria o fenômeno subconsumista, expresso na crônica insuficiência relativa de demanda global que joga o capitalismo nas crises recorrentes de sobreacumulação de capital, de um lado, e sobre-exclusão social, de outro, até que tudo imploda, como aconteceu na grande crise de 2008.
O modelo neoliberal das abelhas midiáticas está implodindo. A erosão desse poder dá a sensação, aos empresários do setor, de expropriação de sua propriedade, quando, na verdade, o que está sendo sinalizado pelo rompimento no neoliberalismo esquizofrênico, é a democratização da propriedade mídiático.
Portanto, 33% para o setor público; 33% para as comunidades e 33% para o setor privado na exploração do espaço midiático eletrônico nacional, sob estrito controle social. Se cumpriu bem a tarefa, ótimo; se não, cassação da concessão. É essa a ditadura que o Congresso tem que aplicar em cima do Partido Único Midiático Anti-Nacional Anti-Republicano. A Conferência Nacional de Comunicação vem aí para dar conteúdo mais real ao processo midiático nacional.
* César Fonseca é jornalista
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